quinta-feira, 7 de outubro de 2010

PODER.

 "Eis o poder: seus palácios
 hospedam  reis e vassalos,
 messalinas, pajens glabros,
 eunucos, aias, lacaios,
 e até artistas e ratos.

 Uma só migalha basta
 à sordícia que se alastra,
 e pronto surge uma talha
 onde o cenário é lavado
 para o próximo espetáculo.

 O poder é assim: devasta,
 corrompe, avilta, enxovalha,
 do reles pároco ao papa,
 e não há um só que escape
 ao seu melífluo contágio.

 Se alguém o nega ou o afasta,
 compram-no logo, à socapa,
 a peso de ouro ou de prata.
 E se acaso não o fazem,
 mais simples ainda: matam-no.

 Tem o poder muitas faces :
 a que se crispa, indignada,
 a que te olha de soslaio,
 a que purga e chega às lágrimas,
 a que se oculta, enigmática.

 Mas são apenas disfarce,
 formas várias que se esgarçam,
 por entre véus e grinaldas,
 porque assim vertem mais fácil
 o vitríolo em tua taça.

 E tu, rei de Tule, aos lábios
 leva sempre, ávido, o cálice,
 não por amor nem saudade
 de quem se foi, entre as vagas,
 de um castelo à orla do mar,
 mas só porque, embriagado,
 são de engodo as tuas asas
 e de cobiça os teus passos,
 que vão aquém das sandálias
 e se arrastam rumo ao nada.

 O poder é aquele pássaro
 que te aguarda sob os galhos.
 Tudo ele dá, perdulário,
 De ti quer apenas a alma,
 Por inteiro. Ou a retalho."

- Ivan Junqueira -

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Ivan Junqueira nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 3 de novembro de 1934.
Sexto ocupante da Cadeira nº 37, eleito em 30 de março de 2000, na sucessão de João Cabral de Melo Neto e recebido em 7 de julho de 2000 pelo Acadêmico Eduardo Portella.
Como crítico literário e ensaísta, tem colaborado em todos os grandes jornais e revistas do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, bem como em publicações especializadas nacionais e estrangeiras, entre elas Colóquio Letras, Revista do Brasil, Senhor, Leitura e Iberomania. Em 1984 foi escolhido como a “Personalidade do Ano” pela UBE.
Assessor da Fundação Nacional de Artes Cênicas (Fundacen) de 1987 a 1990, no ano seguinte transferiu-se para a Fundação Nacional de Arte (Funarte), onde foi editor da revista Piracema e chefe da Divisão de Texto da Coordenação de Edições, tendo se aposentado do serviço público em 1997. Foi ainda editor adjunto e depois editor executivo da revista Poesia Sempre, da Fundação Biblioteca Nacional (1993-2002).
Sua poesia já foi traduzida para o espanhol, alemão, francês, inglês, italiano, dinamarquês, russo e chinês

9 comentários:

  1. Que texto, Silvana. Perfeito!
    Uma bela poesia de protesto.
    Gostei muito.

    Bjs no coração!

    Nilce

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  2. Silvana;

    Parabéns por aqui prestares esta bela homenagem a um Grande da nossa Literatura, como Ivan Junqueira.
    Sua Obra Poética é das mais ricas da Lingua Portuguesa e certamente que perdurará nos tempos.
    Bjs, Silvana.
    Osvaldo

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  3. Poema oportuno e demonstrativo da hipocrisia dos nossos dias ou dos dias de todos os dias.......
    Como tudo muda a personalidade daqueles que se julgam mais pelo dinheiro ou os prazeres........

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  4. Gosto muito de poemas assim, em que retratam com maestria um protesto.

    Beijos

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  5. Bem que eu gostaria de protestar com versos. Parabéns pelo post.

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  6. Silvana, sua postagem vem a tempo e a propósito. Além de ser um elogio a tão brilhante poeta e acadêmico. Gostaria de lhe sugerir o blog de um professor de Literatura Comparada da UFOP: penso que você vai gostar de visitá-lo e, talvez, segui-lo. O link é:
    www.foureaux.wordpress.com
    Beijos e bom fim de semana.

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