domingo, 27 de dezembro de 2009

ESPERANÇA.



"Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA..."
 
- Mário Quintana -


(Texto extraído do livro "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 118).

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

MULHERES NO PALCO.


“Eu no espelho:
atenta, nós duas,
rostos que excedem nossa imagem,
estendemos a mão,espalmamos os dedos nesse pó
de gelo.
Sabemos:
quando eu mergulhar daqui,
e do seu lado ela.
hão de girar ao sopro da voragem
todos os meus sonhos, e os sonhos dela
labirinto de espelhos,
reflexos de reflexos,
eu e ela continuamos sós.”

(Lia Luft  in “Mulheres no Palco”.)

domingo, 22 de novembro de 2009




"Encontrei minhas origens em velhos arquivos
 ....... livros
 encontrei em malditos objetos troncos e grilhetas
 encontrei minhas origens no leste no mar em imundos tumbeiros
encontrei em doces palavras
 ...... cantos em furiosos tambores
....... ritos encontrei minhas origens na cor de minha pele
nos lanhos de minha alma
em mim em minha gente escura
 em meus heróis altivos
 encontrei
encontrei-as
enfim me encontrei".



(Oliveira Silveira, o poeta da consciência negra )

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O DIREITO DAS CRIANÇAS.

O DIREITO DAS CRIANÇAS
(Ruth Rocha)

Toda criança do mundo
Deve ser bem protegida
Contra os rigores do tempo
Contra os rigores da vida.

Criança tem que ter nome
Criança tem que ter lar
Ter saúde e não ter fome
Ter segurança e estudar.

Não é questão de querer
Nem questão de concordar
Os diretos das crianças
Todos tem de respeitar.

Tem direito à atenção
Direito de não ter medos
Direito a livros e a pão
Direito de ter brinquedos.

Mas criança também tem
O direito de sorrir.
Correr na beira do mar,
Ter lápis de colorir...

Ver uma estrela cadente,
Filme que tenha robô,
Ganhar um lindo presente,
Ouvir histórias do avô.

Descer do escorregador,
Fazer bolha de sabão,
Sorvete, se faz calor,
Brincar de adivinhação.

Morango com chantilly,
Ver mágico de cartola,
O canto do bem-te-vi,
Bola, bola,bola, bola!

Lamber fundo da panela
Ser tratada com afeição
Ser alegre e tagarela
Poder também dizer não!

Carrinho, jogos, bonecas,
Montar um jogo de armar,
Amarelinha, petecas,
E uma corda de pular.

Um passeio de canoa,
Pão lambuzado de mel,
Ficar um pouquinho à toa...
Contar estrelas no céu...

Ficar lendo revistinha,
Um amigo inteligente,
Pipa na ponta da linha,
Um bom dum cahorro-quente.

Festejar o aniversário,
Com bala, bolo e balão!
Brincar com muitos amigos,
Dar pulos no colchão.

Livros com muita figura,
Fazer viagem de trem,
Um pouquinho de aventura...
Alguém para querer bem...

Festinha de São João,
Com fogueira e com bombinha,
Pé-de-moleque e rojão,
Com quadrilha e bandeirinha.

Andar debaixo da chuva,
Ouvir música e dançar.
Ver carreiro de saúva,
Sentir o cheiro do mar.

Pisar descalça no barro,
Comer frutas no pomar,
Ver casa de joão-de-barro,
Noite de muito luar.

Ter tempo pra fazer nada,
Ter quem penteie os cabelos,
Ficar um tempo calada...
Falar pelos cotovelos.

E quando a noite chegar,
Um bom banho, bem quentinho,
Sensação de bem-estar...
De preferência um colinho.

Embora eu não seja rei,
Decreto, neste país,
Que toda, toda criança
Tem direito de ser feliz!

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

LIVROS.



"Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.

Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.

Os livros são objectos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou ­ o que é muito pior ­ por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas".


Caetano Veloso

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

CLARICE LISPECTOR.




"e então aconteceu:do fundo de meu coração, eu queria aquela rosa pra mim. Eu queria, ah como eu queria. E não havia jeito de obtê-la.[...]no meio do meu silêncio e do silêncio da rosa, havia o meu desejo de possuí-la como coisa só minha. Eu queria poder pegar nela. Queria cheirá-la até sentir a vista escura de tanto perfume..."

- Clarice Lispector -


sábado, 19 de setembro de 2009

O SONO DAS ÁGUAS.



"Há uma hora certa,
no meio da noite, uma hora morta,
em que a água dorme.
Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d’água,
nos grotões fundos.
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...
Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folhagem.
E adormece
até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...
Mas nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
 porque a água dos olhos
nunca tem sono".

- Guimarães Rosa -

domingo, 13 de setembro de 2009

SERMÃO DE CASAMENTO.


 

"Em maio de 98, escrevi um texto em que afirmava que achava bonito o ritual do casamento na igreja, com seus vestidos brancos e tapetes vermelhos, mas que a única coisa que me desagradava era o sermão do padre:
"Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe?"
Acho simplista e um pouco fora da realidade. Dou aqui novas sugestões de sermões:

- Promete não deixar a paixão fazer de você uma pessoa controladora, e sim respeitar a individualidade do seu amado, lembrando sempre que ele não pertence a você e que está ao seu lado por livre e espontânea vontade?

- Promete saber ser amiga(o) e ser amante, sabendo exatamente quando devem entrar em cena uma e outra, sem que isso lhe transforme numa pessoa de dupla identidade ou numa pessoa menos romântica?

- Promete fazer da passagem dos anos uma via de amadurecimento e não uma via de cobranças por sonhos idealizados que não chegaram a se concretizar?

- Promete sentir prazer de estar com a pessoa que você escolheu e ser feliz ao lado dela pelo simples fato de ela ser a pessoa que melhor conhece você e portanto a mais bem preparada para lhe ajudar, assim como você a ela?

- Promete se deixar conhecer?

- Promete que seguirá sendo uma pessoa gentil, carinhosa e educada, que não usará a rotina como desculpa para sua falta de humor?

- Promete que fará sexo sem pudores, que fará filhos por amor e por vontade, e não porque é o que esperam de você, e que os educará para serem independentes e bem informados sobre a realidade que os aguarda?

- Promete que não falará mal da pessoa com quem casou só para arrancar risadas dos outros?

- Promete que a palavra liberdade seguirá tendo a mesma importância que sempre teve na sua vida, que você saberá responsabilizar-se por si mesmo sem ficar escravizado pelo outro e que saberá lidar com sua própria solidão, que casamento algum elimina?

- Promete que será tão você mesmo quanto era minutos antes de entrar na igreja?
Sendo assim, declaro-os muito mais que marido e mulher: declaro-os maduros."


(Mario Quintana )

sábado, 12 de setembro de 2009

J.G.de ARAÚJO JORGE.

"Não te gosto em silêncio porque te sinto distante...
entre tua boca e a palavra mora talvez minha angústia
como entre o dia e a noite
vacila a longa dúvida do crepúsculo.
Não te gosto em silêncio, quando há em teus olhos, pousados,
dois estranhos pássaros noturnos,
e teus lábios emudecem como a fonte nos ásperos
e intermináveis invernos.
Não te gosto em silêncio quando te envolves com as coisas
que te cercam, como se fosses uma delas,
quando estás como as águas paradas, cuja beleza
é apenas o reflexo das estrelas.
Por isto te provoco e te atiro perguntas
como pedras quebrando a impassibilidade do lago,
como pancadas no gongo que estremece e vibra
e te traz à tona para mim.
Não te gosto em silêncio, porque parece que atrás de sua voz
ainda se esconde alguem tu próprio não conheces,
há alguém embuçado a ameaçar nosso sonho
e que só tuas palavras poderão expulsar.
Não te gosto em silêncio, porque preciso ainda de tua palavra para te descobrir,
lanterna adiante de meu passo, alvorada desenterrando
na noite emaranhada meu indeciso caminho.
Porque preciso ainda que tua palavra chegue como vento forte
arrastando nuvens, limpando céus e horizontes,
levando folhas doentes, te descobrindo ao sol....
Um dia te gostarei em silêncio.
E então me recolherei em teu silêncio,
e procurarei a sombra, como o pássaro na hora da tarde,
e porque o sol estará em nós e nada turvará meu pensamento,
entre tua boca e a palavra haverá apenas um beijo".

 
- J. G. de Araújo Jorge -

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

UMA MENSAGEM PARA VOCÊ .

"A Paz no mundo começa dentro de mim,
quando me aceito de corpo e alma e reconheço os meis defeitos com paciência e calma.
E, em vez de me fragmentar em mil pedaços,
eu me coloco inteira no que penso, sinto e faço... passageira no tempo e nos espaço.
Sem nada para levar que possa me prender.
Sem medo de errar e com muita vontade de aprender.
A Paz no mundo começa entre nós,
quando eu aceito seu modo de ser...
sem me opor ou resistir e reconheço tuas virtudes sem te invejar...ou me retrair.
Eu faço das nossas diferenças a base de nossa convivência.
E em lugar de te dividir em mil personagens, consigo ver-te inteiro...despido...real.Sem nenhuma maquiagem.
Companheiro da mesma viagem, no processo de aprendizagem do que é ser gente!
A Paz no mundo começa, quando as palavras se calam e os gestos se multiplicam.
Quando se reprime a vergonha e se expressa ternura.
Quando se repudia a doença e se enaltece a cura.
Quando se combate a normalidade que virou loucura.
E se estimula o desejo de melhorar a humanidade... de construir uma outra sociedade com base numa outra relação, em que amar é regra e não mais exceção.
Se eu pudesse deixar algum presente para você, deixaria aceso o sentimento de amar a vida dos humanos.
A consciência de aprender tudo o que foi ensinado pelo tempo a fora...
Lembraria de erros que foram cometidos para que não mais se repetissem.
A capacidade de escolher novos rumos.
deixaria para você, se pudesse, o respeito àquilo que é indispensável:
além do pão, o trabalho,
além do trabalho, a ação.
E, quando tudo mais faltasse, um segredo:
O de buscar no interior de si mesma, a resposta e a força para encontrar uma saída.

( Mahatma Gandhi )
Saudações Florestais !

A HÓSPEDE.




A Hóspede

“Não precisa bater quando chegares.
Toma a chave de ferro que encontrares
sobre o pilar, ao lado da cancela,
e abre com ela
a porta baixa, antiga e silenciosa.
Entra. Aí tens a poltrona, o livro, a rosa,
o cântaro de barro e o pão de trigo.
O cão amigo
pousará nos teus joelhos a cabeça.
Deixa que a noite, vagarosa, desça.
Cheiram a relva e sol, na arca e nos quartos,
os linhos fartos,
e cheira a lar o azeite da candeia.
Dorme. Sonha. Desperta. Da colméia
nasce a manhã de mel contra a janela.
Fecha a cancela
e vai. Há sol nos frutos dos pomares.
Não olhes para trás quando tomares
o caminho sonâmbulo que desce.
Caminha - e esquece”.

(Guilherme de Almeida )


quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O ACENDEDOR DE LAMPIÕES.

- O acendedor de lampiões -

"Lá vem o acendedor de lampiões da rua!
Este mesmo que vem infatigavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua
Quando a sombra da noite enegrece o poente!

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite aos poucos se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita: -
Ele que doura a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade,
Como este acendedor de lampiões da rua!"

- Jorge de Lima -
(1893-1953)