sábado, 29 de janeiro de 2011

AMA-ME POR AMOR DO AMOR SOMENTE.

"Ama-me por amor do amor somente.
Não digas: “Amo-a pelo seu olhar,
o seu sorriso, o modo de falar
honesto e brando. Amo-a porque se sente

minh’alma em comunhão constantemente
com a sua”. Por que pode mudar
isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
do tempo, ou para ti unicamente.

Nem me ames pelo pranto que a bondade
de tuas mãos enxuga, pois se em mim
secar, por teu conforto, esta vontade

de chorar, teu amor pode ter fim!
Ama-me por amor do amor, e assim
me hás de querer por toda a eternidade."

- Elizabeth Barrett Browning -
  ( Tradução Manuel Bandeira)

sábado, 15 de janeiro de 2011

AMOR E MEDO.

Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes,
Eu me estremece de cruéis receios.

É que esse vento que na várzea — ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!

Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia:
Diz: — que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho
E a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse embora paternal orvalho!

Ai! se te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...

Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos — palpitante o seio!...

Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala, a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...

Diz: — que seria da pureza de anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca — sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delírio,
— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...

Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...
                                                                          Casimiro de Abreu

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A CHEGADA DE LAMPEÃO NO INFERNO.


Um cabra de Lampião
por nome Pilão Deitado
que morreu numa trincheira
um certo tempo passado
agora pelo sertão
anda correndo visão
fazendo mal-assombrado.

E foi quem trouxe a notícia
que viu Lampião chegar
o inferno nesse dia
faltou pouco pra virar
incendiou-se o mercado
morreu tanto cão queimado
que faz pena até contar

Morreu a mãe de Canguinha
o pai de Forrobodó
cem netos de Parafuso
um cão chamado Cotó
escapuliu Boca Insossa
e uma moleca moça
quase queimava o totó

Morreram cem negros velhos
que não trabalhavam mais
um cão chamado Traz Cá
Vira-Volta e Capataz
Tromba Suja e Bigodeira
um cão chamado Goteira
cunhado de Satanás.

Vamos tratar da chegada
quando Lampião bateu
um moleque ainda moço
no portão apareceu:
Quem é você, cavalheiro?
Moleque, eu sou cangaceiro:
Lampião lhe respondeu.


- Moleque, não; sou vigia
e não sou seu parceiro
e você aqui não entra
sem dizer quem é primeiro:
- Moleque, abra o portão
saiba que sou Lampião
assombro do mundo inteiro.

Então esse tal vigia
que trabalha no portão
dá pisa que voa cinza
não procura distinção
o negro, escreveu não leu
o macaíba comeu
lá não se usa perdão.

O vigia disse assim:
fique fora que eu entro
vou conversar com o chefe
no gabinete do centro
por certo ele não lhe quer
mas conforme o que disser
eu levo o senhor pra dentro.

Lampião disse: vá logo
quem conversa perde hora
vá depressa e volte já
eu quero pouca demora
se não me derem ingresso
eu viro tudo as avesso
toco fogo e vou embora.

O vigia foi e disse
a Satanás no salão:
saiba vossa senhoria
que aí chegou Lampião
dizendo que quer entrar
e eu vim lhe perguntar
se dou-lhe ingresso ou não.

- Não senhor, Satanás disse
vá dizer que vá embora
só me chega gente ruim
eu ando muito caipora!
eu já estou com vontade
de botar mais da metade
dos que tem aqui pra fora.

- Lampião é um bandido
ladrão da honestidade
só vem desmoralizar
a nossa propriedade
e eu não vou procurar
sarna pra me coçar
sem haver necessidade.

Disse o vigia: patrão
a coisa vai arruinar
eu sei que ele se dana
qunado não puder entrar
Satanás disse: isso é nada
convide aí a negrada
e leve os que precisar

- Leve cem dúzias de negros
entre homem e mulher
vá lá na loja de ferragem
tire as armas que quiser
é bom avisar também
pra vir os negros que tem
mais compadre de Lúcifer
E reuniu-se a negrada
primeiro chegou Fuchico
com o bacamarte velho
gritando por Cão de Bico
que trouxesse o pau da prensa
e fosse chamar Tangença
em casa de Maçarico.

E depois chegou Cambota
endireitando o boné
Formigueiro e Trupe-Zupe
e o crioulo Quelé
chegou Caé e Pacáia
Rabisca e Cordão de Saia
e foram chamar Bazé.

Veio uma diaba moça
com a calçola de meia
puxou a vara da cerca
dizendo: a coisa está feia
hoje o negócio se dana!
E gritou: êta baiana
agora a ripa vadeia!

E saiu a tropa armada
em direção do terreiro
com faca, pistola e facão
clavinote e granadeiro
uma negra também vinha
com a trempe da cozinha
e o pau de bater tempero.

Quando Lampião deu fé
da tropa negra encostada
disse: só na Abissínia
oh! tropa preta danada!
o chefe do batalhão
gritou de arma na mão;
- Toca-lhe fogo, negrada!

Nessa voz ouviu-se tiros
que só pipoca no caco
Lampião pulava tanto
que parecia um macaco
tinha um negro neste meio
que durante o tiroteio
brigou tomando tabaco.

Acabou-se o tiroteio
por falta de munição
mas o cacete batia
negro rolava no chão
pau e pedra que achavam
era o que as mãos pegavam
sacudiam em Lampião.


- Chega traz um armamento!
(assim gritava o vigia)
traz a pá de mexer doce
lasca os ganchos de caria
traz um bilro de Macau
corre, vai buscar um pau
na cerca da padaria!

Lúcifer mais Satanás
vieram olhar do terraço
todos contra Lampião
de cacete, faca e braço
o comandante no grito
dizia: briga bonito
negrada, chega-lhe o aço!

Lampião pôde apanhar
uma caveira de boi
sacudiu na testa dum
ele só fez dizer: oi!...
Ainda correu dez braças
e caiu enchendo as calças
mas eu não sei dizer o que foi.

Estava travada a luta
duma hora fazia
a poeira cobria tudo
negro embolava e gemia
porém Lampião ferido
ainda não tinha sido
devido a grande energia.

Lampião pegou um seixo
e rebolou-o num cão
mos o que: arrebentou
a vidraça do oitão
saiu fogo azulado
incendiou o mercado
e o armazém de algodão.

Satanás com esse incêndio
tocou no búzio chamando
correram todos os negros
que se achavam brigando
Lampião pegou a olhar
não vendo com quem brigar
também foi se retirando.

Houve grande prejuízo
no inferno nesse dia
queimou-se todo dinheiro
que Satanás possuía
queimou-se o livro de pontos
perdeu-se vinte mil contos
somente em mercadoria.


Reclamava Lucifer:

horror mais não precisa
os anos ruins de safra
agora mais esta pisa
se não houver bom inverno
tão cedo aqui no inferno
ninguém compra uma camisa.

Leitores, vou terminar
tratando de Lampião
muito embora que não possa
vou dar a explicação
no inferno não ficou
no céu também não entrou
por certo está no sertão.

Quem dúvida desta história
pensar que não foi assim
querer zombar do meu sério
não acreditando em mim
vá comprar papel moderno
escreva para o inferno
mande saber de Caim.
- José Pacheco -

Fonte: Pinto, J. N. 2004. Os cem melhores poetas brasileiros do século, 2ª edição. SP, Geração Editorial. Poema publicado como folheto de cordel em ano desconhecido (primeira metade do século XX).
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 José Pacheco nasceu no município de Correntes, Pernambuco, residiu algum tempo na cidade de Caruaru, naquele Estado, como também em Maceió, Alagoas. Poeta popular dos melhores, gostava de escrever estórias de gracejos, mas explorou outros temas da literatura de cordel. Lia e cantava os seus versos. Era de um gênio moderado e possuía a técnica de atrair a matutada. Além de poeta popular bastante fecundo, caracterizado pela jocosidade e variedade de temas de suas composições, dedicou-se a várias atividades paralelas: trabalhou em feiras, ora vendendo folhetos, ora comerciando gêneros alimentícios. 
É autor entre outros dos seguintes folhetos: A Chegada de Lampeão no Inferno (s.d.); A Grande briga de Lampeão com a moça que virou cachorra (s.d.); O grande debate que teve Lampeão com São Pedro (s.d.); Lampeão e a velha feiticeira (s.d.), além de oito outros folhetos sobre assuntos diversos.
Na antologia de cordéis organizada por Lopes (1983, p. 417-418), outras informações sobre Pacheco são dadas:
Há controvérsia sobre o lugar de nascimento de José Pacheco. Para alguns, ele nasceu em Porto Calvo, alagoas; há quem afirme ter sido o autor de A Chegada de Lampião no Inferno pernambucano de Correntes. A verdade é que José Pacheco, que teria nascido em 1890, faleceu em Maceió na década de 50, havendo quem informe a data de 27 de abril de 1954, como a do seu falecimento. Seu gênero preferido parece ter sido o gracejo, no qual nos deu verdadeiros clássicos.
Escreveu também folhetos de outros gêneros.

(desconheço o autor da xilogravura publicada acima)