quarta-feira, 28 de julho de 2010

DONA DOIDA.

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
 Quando se pôde abrir as janelas,
  as poças tremiam com os últimos pingos.
 Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
 decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
 trinta anos depois.  Não encontrei minha mãe.
 A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
 eu fiquei doida no encalço.
 Só melhoro quando chove.

- ADÉLIA PRADO -

"Poesia Reunida", Editora Siciliano - 1991, São Paulo, página 108.

5 comentários:

  1. Linda demais, me senti no poema, porque aqui chove, e quando chove eu amo estar em casa. bjs

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  2. Adorei a poesia.
    Uma boa poesia que conta história.

    Beijos!

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  3. Querida amiga, os poemas de Adélia Prado são maravlhosos..Beijocas

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  4. Silvana;
    Lindo este tema da Adélia Prado.
    Tão belo e suave com as gotas de chuva sobre as poças depois do temporal!...
    Simplesmente "doido" de beleza, este texto.
    bjs.
    Osvaldo

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  5. Amo Adélia. Uma beleza esta passagem de Dona Doida. Ela diz com delicadeza das trivialidades. E vira ouro puro. Sua coleção de textos é um banquete de acepipes! Continue nos brindando. Beijos

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