sexta-feira, 16 de julho de 2010

CÂNTIGO NEGRO.

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

- José Régio -

14 comentários:

  1. Poesia intensa, não conhecia tal poeta. Obrigada Silvana. Um ótimo final de semana, beijos ;)

    ResponderExcluir
  2. Belo momento de leitura!
    Beijinho terno

    ResponderExcluir
  3. Magnifico poema.
    Bom fim de semana
    Bjs

    ResponderExcluir
  4. Também gosto muito de José Régio e esse é um belo exemplar de seus poemas.
    Abraços.

    ResponderExcluir
  5. Que poema minha linda, belo, forte, reflexivo, amei, beijos Luconi

    ResponderExcluir
  6. Tava com saudades daqui...
    me deparo com um poema lindo !!
    deixo em troca um abraço apertado

    ResponderExcluir
  7. Magnífico.
    Que loucura tais palavras.
    Não posso dizer que sigo este caminho mas compartilho de boa parte da idéia.

    Um ótimo começo de semana.

    Omnia Vincit!

    ResponderExcluir
  8. Amigos - Vinícios de Moraes

    Tenho amigos que não sabem o quanto são meus amigos.
    Não percebem o amor que lhes devotoe a absoluta necessidade que tenho deles.
    A amizade é um sentimento mais nobre do que o amor, eis que permite que o objeto dela se divida em outros afetos, enquanto o amor tem intrínseco o ciúme, que não admite a rivalidade.
    E eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos !
    Até mesmo aqueles que não percebem o quanto são meus amigos e o quanto minha vida depende de suas existências ...
    A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem.
    Esta mera condição me encoraja a seguir em frente pela vida.
    Mas, porque não os procuro com assiduidade, não posso lhes dizer o quanto gosto deles. Eles não iriam acreditar.
    Muitos deles estão lendo esta crônica e não sabemque estão incluídos na sagrada relação de meus amigos.
    Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure.
    E às vezes, quando os procuro, noto que eles não tem noção de como me são necessários,de como são indispensáveis ao meu equilíbrio vital, porque eles fazem parte do mundo que eu, tremulamente, construí,e se tornaram alicerces do meu encanto pela vida.
    Se um deles morrer, eu ficarei torto para um lado.Se todos eles morrerem, eu desabo!Por isso é que, sem que eles saibam, eu rezo pela vida deles.
    E me envergonho, porque essa minha prece é, em síntese, dirigida ao meu bem estar. Ela é, talvez, fruto do meu egoísmo.
    Por vezes, mergulho em pensamentos sobre alguns deles.
    Quando viajo e fico diante de lugares maravilhosos,cai-me alguma lágrima por não estarem junto de mim,compartilhando daquele prazer ...
    Se alguma coisa me consome e me envelhece é que a roda furiosa da vida não me permite ter sempre ao meu lado,morando comigo, andando comigo, falando comigo, vivendo comigo, todos os meus amigos, e, principalmente, os que só desconfiam - ou talvez nunca vão saber -que são meus amigos!
    A gente não faz amigos, reconhece-os.


    LEMBREI-ME DE VC E VIM DESEJAR FELIZ DIA DO AMIGO.

    ResponderExcluir
  9. Quantas vezes li, com os meus alunos, este poema de Régio...
    ABRAÇO DE
    LUSIBERO

    ResponderExcluir
  10. Olá, como está? Peço-lhe autorização para acompanhar o seu blogue, com a belíssima poesia de Língua Portuguesa. Pode ser? Sou português e vivo em Lisboa.Também mantenho um blogue, muito íntimo, muito pessoal e sem pretensões... Um abraço

    ResponderExcluir
  11. Há um poema do americano Robert Frost, chamado The Road not Taken, no qual ele escolhe o caminho menos caminhado e isso faz toda a diferença em sua vida. Nossas escolhas determinam o que vivemos e a coragem de escolher o próprio caminho, ao invés de seguir a estrada conhecida - por outros! - abre a perspectiva de paisagens outras, nem sempre as mais belas, mas sempre as mais valiosas. Beijos

    ResponderExcluir