sábado, 15 de janeiro de 2011

AMOR E MEDO.

Quando eu te vejo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
— "Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas! meu amor, é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores
A luz da aurora me enternece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes,
Eu me estremece de cruéis receios.

É que esse vento que na várzea — ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!

Ai! se abrasado crepitasse o cedro,
Cedendo ao raio que a tormenta envia:
Diz: — que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco
Torrara a planta qual queimara o galho
E a pobre nunca reviver pudera.
Chovesse embora paternal orvalho!

Ai! se te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...

Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos — palpitante o seio!...

Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala, a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...

Diz: — que seria da pureza de anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça,
Criança louca — sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem,
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço,
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delírio,
— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?...
Eu te diria: desfolhou-a o vento!...

Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito!
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...
                                                                          Casimiro de Abreu

8 comentários:

  1. Bonito poema, não conhecia. Obrigada pela partilha

    Um abraço

    Boa semana

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  2. O amor é cego todos bem o sabemos, mas medo nunca lhe ouvir confessar. Nem medo de o perder...

    O amor que é amor vai para lá de tudo o que é possível prever, até a morte desse mesmo amor, ele aceita e canta se preciso for com um coração aberto ao tempo.

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  3. Bonita poesia!
    Desconhecia...

    Bjs dos Alpes

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  4. Lida poesia!
    Não importa quantos anos se passem, mas a poesia transpõe o tempo...

    Beijos

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  5. Não coneço nada de Casimiro de Abreu, a não ser uma cidadezinha do Rio de Janeiro onde viveram uns tios meus e onde vive uma tia e primos. Gostei deste poema; amor é tudo isso; sentimento muito complexo e de várias facetas; alegra, extasia, doi, faz sofrer; lindo o amor, mas...também mete medo muitas vezes. Um beijinho e uma boa semana
    Emília

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  6. Labaredas consumirão o amor e regarão o ódio. bfds

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  7. Ah! como se declarava o AMOR de uma forma formosa e avassaladora.
    Quem não gostaria de ser MUSA deste poeta com sensibilidade extrema?
    Nravo SIL.
    Aparece por lá, no meu canto.
    Saudades de si...

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  8. Um pouco complexo, mas lindo; obrigado por compartilhar seus conhecimentos e sentimentos.
    Obrigado por ser minha amiga, obrigado por você existir...

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