quarta-feira, 10 de novembro de 2010

CAMPOS DE CARVALHO.


"É mais fácil eu existir do que Deus".

Walter Campos de Carvalho não acreditava nem em Deus, nem na lógica e muito menos na existência da Bulgária. Talvez não acreditasse também na morte. Tanto é que, quando o coração baqueou, ele passeava tranquilamente pelas alamedas de Higienópolis. Outono, Semana Santa. Sexta-feira, duas da manhã, hora que ele costumava dormir, "fechou os olhos", como disse Lygia Rosa, pintora, mulher dele.

Campos de Carvalho é um dos maiores escritores brasileiro deste século. Não por acreditar em nada. Mas por trabalhar como nunca com a loucura e o humor. Ficou os últimos trinta anos sem escrever. Mal humorado. Tem sua lógica.

Mas ele, que era tão ateu que até mesmo se lembra da hora, dia e local quando resolveu romper com o forte catolicismo da família Cunha Campos, lá em Uberaba. Foi descendo a rua Lauro Borges, em frente ao Fórum. Pá!

E o destino? Será que nisso ele acreditava? Ou será que ele morreu no mesmo dia de Jesus Cristo só para sacanear? O que ele nunca poderia imaginar é o nome do motorista do carro fúnebre: João de Jesus. Verdade. Fui ao velório e ao enterro. O gênio era primo da minha mãe. E eu me orgulho de ter o Campos dele no meio do meu nome.

Quatro pessoas no velório. Quatro! Nenhum amigo, ninguém da imprensa. Nídia, a sobrinha de Lygia, o marido Basile, eu e meu filho Antonio. Antonio estivera com ele dois dias antes fazendo aquela entrevista que saiu aqui no Caderno 2 de sábado. Quatro pessoas.

Não gosto de ver o corpo no caixão. Me dá um frio não sei onde. Antonio foi.

- Está com um sorrizinho irônico nos lábios. Nunca vi ele com a cara tão boa.

Senti tanto a morte desse cara... Como parente, amigo, escritor. Mas, principalmente, como admirador. Tenho certeza que ele é um dos três que me influenciaram, que me marcaram, que me deram tesão para ser escritor.

Não tinha gente para carregar o caixão, gente! O João de Jesus ajudou. E lá fomos nós em cortejo fúnebre de dois carros cremar o homem lá na Vila Alpina. Esquisito isso de deixar o cara lá e ir embora sem aquela imagem clássica do caixão descendo terra abaixo.

Quatro pessoas!

Tenho a sorte e o orgulho de ter aqui na minha gaveta, o último texto do Campos de Carvalho. Aliás, quando ganhei dele, cheguei a publicar aqui. Um pedaço de papel cortado pela metade, escrito com a mão já trêmula de quem estava com oitenta anos. Chama-se "Segundo Sonho". Claro, perguntei pelo primeiro sonho. E ele:

- Não tem primeiro sonho.

- Mário Prata -

4 comentários:

  1. Apesar de ser um texto frio está escrito com uma certa leveza e até graciosidade.

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  2. Interessantíssimo. Foi como quem não acreditava mesmo em nada. Vai ver até hoje não percebeu que já partiu para outro local. Gostei desse texto, que é triste, mas levemente engraçado. Beijos.

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  3. Amei o blog e as poesias muito bom

    WWW.COLCHADERETALHOS10.BLOGSPOT.COM

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